sábado, 14 de maio de 2011

Violência sexual contra criança e adolescentes: uma responsabilidade de todos

INTRODUÇÃO

O assunto tem sido debatido em muitas conferências a nível mundial devido à importância da proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes. Esses direitos ao longo da evolução social têm ganhado uma enorme amplitude, já que se faz necessário a proteção desses seres humanos hipossuficientes que não detém a capacidade para se defender sozinho.

Dessa maneira a Constituição Federal de 1988 acompanhando a evolução social e seguindo as tendências mundiais de proteção das crianças e dos adolescentes, destinou no seu corpo, um capítulo específico voltado a promoção e a preservação dos direitos dos mesmos, convocando a família, o Estado e a sociedade civil a olhar para esses seres de uma maneira especial, buscando assim resguardar a dignidade humana e protegê-los de qualquer espécie de violência que venha a afetar o seu desenvolvimento físico, psíquico e moral.

Entretanto, apesar das diretrizes constitucionais e dos direitos assegurados no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069 de 13 julho de 1990, o que se noticiam diariamente nos meios de comunicação são as inúmeras violações a tais direitos, principalmente violações de cunho criminoso, entre os vários crimes praticados contra a criança e o adolescente o que mais chama a atenção são os assustadores índices de violência sexual praticados em todo o Brasil, onde a região nordeste ganha um papel de destaque, pois lidera o ranking da prostituição infantil brasileira, sendo essas meninas e meninos utilizados como mercadoria no mercado negro do turismo sexual.

Diante desse cenário apavorante, de quem será a responsabilidade por essas atrocidades sofridas pelas crianças e adolescentes brasileiros ? Como reparar os danos causados, já que pesquisas indicam que crianças e adolescentes que sofrem qualquer tipo de violência possuem uma grande probabilidade de serem no futuro agressores? Nessa linha de raciocínio seguirá esse trabalho fazendo uma análise especifica acerca do art. 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente, introduzido pela Lei nº. 9.975, de 23 de junho de 2000, e suas principais implicações na realidade brasileira.

1. DOS DIREITOS ASSEGURADOS A CRIANÇA E AO ADOLESCENTE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E NO ESTATUTO.

A Constituição Federal assegura as crianças e aos adolescentes no seu artigo 227, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

E ainda conclama a família, o Estado e a sociedade civil prescrevendo ser dever dessas instituições a proteção a criança e ao adolescente, bem como a busca de políticas públicas que venham a concretizar os direitos dispostos no texto constitucional.

Já o Estatuto da Criança e do Adolescente por ser uma lei específica trata dos direitos das crianças e dos adolescentes em vários preceitos ao longo do seu texto, como nos artigos 3º, 4º, 5º,7º, 15º, 16º entre outros. Mais todos de acordo com os preceitos constitucionais e novamente reitera como sendo dever de todos a proteção desses hipossuficientes, Assim é artigo 18 do ECA, que dispõe:Art.18- É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. (Grifos Nossos).Além dos inúmeros dispositivos que tratam dos direitos resguardados aos menores, o Estatuto da Criança e do Adolescente trás no seu bojo no art.1º uma disciplina maior, ou seja, um princípio que rege todos os assuntos que envolvem a infância e a adolescência que é o chamado Princípio da Proteção Integral.

Esse princípio tem como ponto de partida o reconhecimento de todos os direitos das crianças e dos adolescentes, com sua conseqüente implementação pelo Estado, pela família e pela sociedade. No mais o princípio da proteção integral vem assegurado na Convenção das Nações Unidas sobre os direitos da criança, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro 1989 a qual o Brasil é país signatário.

Apesar de todos os direitos resguardados as crianças e aos adolescentes brasileiros, o que se verifica na realidade é uma gama de agressões a esses direitos assegurados tanto na Constituição Federal quando no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Dentre as violações mais freqüentes a esses direitos, um crime específico se sobressai aos demais, devido os altos níveis de incidência no Brasil e também ao alto grau de lesividade, que deixa marcas na vida de inúmeras crianças e adolescentes por todo o país.

2. DA VIOLÊNCIA SEXUAL NO BRASIL

A violência sexual praticada contra crianças e adolescentes se faz presente em todas as regiões do país, onde muitas vezes os seus agressores estão dentro das suas próprias casas, pois na grande maioria dos casos os agressores são pessoas de confiança das crianças e adolescentes, o que torna muito dificultoso tanto o trabalho de descobrimento do crime quanto à avaliação de traumas sofridos por essas pessoas.

Sobre o assunto vale destacar uma passagem do livro sobre direitos sexuais da criança e do adolescente1 :

Geralmente há uma proximidade afetiva e de confiança entre a vitima e o agressor, mesmo se este não faz parte da família. O vizinho, professor ou (ex) namorado são pessoas que configuram no topo da lista de agressores sexuais. A dominação pela sexualidade implica na quebra do pacto de confiança e proximidade a favor de um pacto de silêncio e medo que possibilita o abuso sexual.

Quando as crianças e os adolescentes não são vítimas diretas dentro da sua própria casa, ou seja, quando não sofrem a violência sexual dentro do seu seio familiar, muitas vezes meninas e meninos são negociados como mercadorias no mercado negro do tráfico sexual, onde há freqüentemente participação dos pais na venda dessas crianças, principalmente, no sertão nordestino, onde a população que sofre com a seca é refém dos atravessadores do tráfico sexual que se oferecem a comprar meninos ou meninas sadias, sobre a alegação de proporcionar aos mesmos uma melhor qualidade de vida.

O que muitas vezes as famílias que sofrem com esse tipo de abordagem não sabem, é que essas meninas ou meninos serão vitimas de uma crueldade sem precedentes, já que mais uma vez serão negociados com os donos de estabelecimentos que exploram a prostituição infantil e a exploração sexual, sendo esses seres humanos expostos a todo o tipo de violação possível seja ela de cunho físico, moral ou psíquico levando-os a completa perda da dignidade da pessoa humana.

A violência sexual que sofrem crianças e adolescentes em todo o país é um gênero do qual fazem parte a prostituição infantil e a exploração sexual, condutas tipificadas como crime no art.244-A do Estatuto da criança e do adolescente, esses retiram da criança a sua dignidade, violam a sua liberdade e ainda os privam da capacidade de sonhar numa fase da vida onde os sonhos são essenciais para o desenvolvimento de um ser humano consciente e preocupado com os seus semelhantes.

É importante aqui destacar um trecho da obra sobre crimes praticados contra a criança e adolescente2: O abuso e a exploração sexual ferem um leque de direitos fundamentais da criança e do adolescente, tais como: a dignidade, a imagem, o seu desenvolvimento físico e psíquico (mental, moral e espiritual), bem como o seu direito a liberdade. Tais ilícitos violam o direito ao respeito (art.17 do ECA), isto é, a integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, viola-se seus valores, idéias e crenças.As crianças e os adolescentes vítimas de violência sexual carregam traumas, que segundo especialistas são irreparáveis, sendo muito importante durante o tratamento desses menores o apoio da família, já que a violência sofrida por essas pessoas quebra o pacto social do qual depende a estruturação de todo indivíduo, ou seja, essas crianças e adolescentes perdem a sua identidade e passam a assumir uma identidade que não as pertence, justamente durante esse processo o apoio familiar é imprescindível para que a identidade perdida seja resgatada e assim devolva a essas vitimas, na medida do possível, uma condição de vida digna.

Um grande exemplo de como as crianças e adolescentes brasileiros são vitimas de violência sexual, vem retratado no filme nacional anjos do sol de direção de Rudi Lagemann, este filme foi estruturado em cima de notícias de vitimas de violência sexual no país, onde se pode observar a crueldade com que essas crianças são tratadas no mercado negro do sexo, destacando-se a região amazônica como um grande ponto de turismo sexual, já que as meninas ficam isoladas no meio da floresta a serviço dos trabalhadores da região e cumprindo ordens do cafetão, e quando essas ordens são desobedecidas chegam a ser castigadas e muitas pagam um preço altíssimo perdendo a própria vida.

O filme foi baseado em histórias reais e ao assistir as imagens fica um sentimento de revolta por saber que isso tudo acontece todos os dias na realidade brasileira, hoje há mais de cem mil crianças vitimas de prostituição infantil e exploração sexual por todo o Brasil. Quem são os responsáveis por esses meninos e meninas vitimizados?

O Estatuto da criança e da adolescência elenca no art.244-A o crime de violência sexual ao dispor que:Art. 224-A: Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art.2º desta lei, à prostituição ou à exploração sexual:
Pena-reclusão de 4 a 10 anos e multa. [....] (Grifos Nossos)
Esse artigo só foi introduzido no Estatuto da criança e do adolescente em 2000, com o advento da Lei nº 9.975, até então esse tipo de violência sexual era tratado de acordo com as diretrizes gerais de direito penal, mais foi um grande avanço para o ECA a inserção no seu texto dessa pratica lesiva contra os direitos dos menores, onde percebe-se que a violência sexual é o gênero da qual fazem parte as condutas de exploração sexual e prostituição infantil.

O próprio artigo deixa clara a distinção entre as condutas, pois a prostituição infantil é o comércio de fim sexual em troca na grande maioria dos casos de dinheiro, mais já foi constatado que muitas meninas e meninos são obrigados a vender o seu corpo em troca de comida, o que leva a percebe o grau de miserabilidade de uma parcela da população que está à margem da sociedade. Já a exploração sexual é toda forma de proveito sexual sobre alguma pessoa, podendo ser comercial ou não, havendo contato físico ou não.

A exploração sexual sem contato físico ocorre quando a criança é estimulada através de fotos, histórias, pornografia, imagens, tanto pelo meio de comunicação quanto ao vivo, ou também pode acontecer quando ela é obrigada a despir-se para o estimulo dos prazeres de um adulto. Ao contrário da exploração sexual sem contato físico, está aquela que há o contato direto da criança, onde a mesma tem o seu corpo invadido por outra pessoa na busca de satisfação de prazer ou por pura perversidade.

O Estatuto da criança e do adolescente cumpriu o seu papel prevê essas condutas como crimes, mas a mera previsão não surte muitos efeitos, já que é necessária uma interdisciplinaridade de políticas públicas para que haja não só as prisões daqueles que violam sexualmente de nossas crianças e adolescentes, mais também para que ocorra um processo de acompanhamento social dessas pessoas a fim de devolver a dignidade perdida.

E essas políticas públicas devem ir além, não ficar só no campo da repressão, mais principalmente focar na prevenção de danos, resgatando a dignidade dessas famílias que estão à parte da sociedade.

Apesar de a violência sexual acontecer da classe A a E , as pessoas mais atingidas são justamente as igualmente expostas as mazelas sociais, já que aqueles que detém capacidade econômica na grande maioria da vezes sofrem a violência sexual, só que fazem a opção de ficarem em silêncio para evitar escândalos, enquanto que os menos abastados financeiramente sofrem a violência e ficam em silêncio não por opção, mas sim por medo de represália do próprio agressor.

Está mais do que na hora da sociedade mudar esse cenário de crimes sexuais e passar a cumprir os ditames constitucionais, olhando assim pelas crianças e adolescentes brasileiros de uma forma que possa ser implementado todos os seus direitos dispostos no Estatuto da Criança e do Adolescente, para isso basta obedecer a Lei e fomentar políticas públicas que produzam resultados sociais.

CONCLUSÃO

Diante desse quadro lamentável de violência sexual no país, chega-se a conclusão de que essa responsabilidade é de todos nós, quando uma criança ou adolescente é vitima de violência sexual não falham só as instituições estatais, junto com elas falhamos eu e você, ou seja, toda a sociedade, pois a própria Carta Magna de 1988 dispõe ser dever de todos selar pelo bem-estar de nossas crianças.

Por isso façamos nossa parte na luta contra o combate a violência sexual no país articulando junto com a família e com o Estado políticas públicas de resultados, que venham a impedir, enquanto há tempo, que outros anjos sejam aliciados por esses malfeitores e que o futuro do nosso país não seja de crueldade e abusos , mais sim de concretização de um dos principais fundamentos da República Federativa do Brasil a Dignidade da Pessoa Humana.

NOTAS DE RODAPÉ CONVERTIDAS

1 HAZEU. Marcel. Direitos sexuais da criança e do adolescente -uma visão interdisciplinar para o enfretamento da violência sexual contra crianças e adolescentes.Amazonas. TXAI. Ano 2004. pág. 34.

2 FONSECA, Antonio César Lima da. Crimes contra crianças e adolescentes. Porto Alegre. Livraria do advogado. 2001. Pág.143.

REFERÊNCIAS

ANJOS do sol. Direção: Rudi Lagemann. Produção: Luiz Leitão, Juarez Precioso e Rudi Lagemann. Interpretes: Antonio Calloni, Chico Diaz, Darlene Glória, Otávio Augusto, Vera Holtz, Fernanda Carvalho e Bianca Comparato. Fotografia: Tuca Moraes. Trilha Sonora: Felipe Radicetti, Flu, Nervoso. Downtown Filmes. 2006. DVD (92 min).

FONSECA. Antônio César Lima da. Crimes praticados contra a criança e o adolescente. Porto Alegre: Livraria do advogado. 2001.

HAZEU. Marcel. Direitos sexuais da criança e do adolescente – uma visão interdisciplinar para o enfrentamento da violência sexual contra criança e adolescente. Amazônia: TXAI. 2004.

MECUM. Vade.3. ed. Atualizada e ampliada. São Paulo: Saraiva. 2007.
Revista Jus Vigilantibus, Sabado, 1º de setembro de 2007

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