domingo, 9 de janeiro de 2011

23 adolescentes são assassinados por mês

De janeiro a julho de 2010, 164 adolescentes foram assassinados no Ceará. Entre os casos, está o da jovem de 16 anos que estava grávida de seis meses e foi morta por um ex-namorado
Lucinthya Gomes - 06/09/2010 02:00

Grávida de seis meses, a adolescente completou 16 anos e mal teve tempo de celebrar. Minutos antes da festa surpresa, uma bala lhe atingiu o peito, tirando sua vida e a do filho que carregava. O acusado “todo mundo sabe quem é”. “Ele vende droga pro pessoal daqui das bocadas”, aponta a mãe da adolescente, diarista, de 39 anos, moradora da periferia de Fortaleza. Saído da prisão havia poucos meses, ele queria reatar um namoro que findou três anos antes. “Ela dizia que não queria que o filho (de um outro relacionamento) fosse sustentado com dinheiro de drogas”, chora a mãe.
Passados cinco meses, a mãe ainda tenta retomar a rotina normal. “Minha filha era tudo na minha vida. Era minha amiga, mãe, irmã. Nós não ‘tinha’ segredo uma com a outra. Eu só penso que ela vai voltar. Imagino que ela não morreu e quem morreu foi eu”, lamenta a mãe. A menina é uma entre os 164 adolescentes, de 12 a 17 anos, que foram assassinados no Ceará de janeiro a julho de 2010, de acordo com estimativa da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).
 
Isso significa uma média de 23 adolescentes mortos por mês no período. O número corresponde ainda a 9,8% do total de homicídios (1.659) registrados neste ano no Ceará. O POVO inicia hoje uma série de matérias sobre estes jovens, que tão cedo, têm se tornado alvo da violência.
 
Em todo o ano de 2009, a SSPDS estima que 276 adolescentes foram assassinados. Faltando quatro meses para acabar, 2010 registra 59,4% do número de adolescentes assassinados no ano anterior. Já em 2008, foram 217 assassinatos de adolescentes. De acordo com a vice-presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comdica), Flor Fontenele, por trás dessas mortes, existe todo um cenário de exclusão social e falta de políticas públicas. “A maioria dessas mortes tem relação com tráfico de drogas”, afirma.
 
O não acesso a direitos básicos, como educação, saúde, formação profissional, associado a desajustes familiares e ao uso de drogas, tem exposto os adolescentes à violência. Para Flor, bairros com altos índices de violência costumam ter o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). “São lugares onde mais morrem adolescentes e eles mais cometem atos infracionais. O adolescente cresce sem ter tido direitos na vida inteira e, sem oportunidade, a única coisa que sobra é virar bandido”, lamenta.
 
Para o advogado e assessor de defesa da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) de Fortaleza, Marcus Giovani, a violência não tem uma causa única. “A gente tem que se questionar sobre quem está morrendo e matando no Brasil. São pessoas de sexo masculino, negras e moradoras da periferia”, lamenta. Segundo ele, vivemos numa sociedade onde o consumo é uma ideia muito recorrente e para a pessoa fazer parte do tecido social tem que consumir. “E, infelizmente, muitos adolescentes vivem num contexto de distribuição de renda muito mordaz. Eles estão excluídos do direito a consumo, incluive, aos mais básicos”, reforça.
 
>> O POVO opta por não identificar a menina assassinada, bem como sua mãe, por motivo de segurança, já que o responsável pelo crime ainda não foi punido.

LEIA AMANHÃ
> Na mira da violência, muitos adolescentes convivem com ameaças de morte, sem terem a quem pedir ajuda. Sem um programa de proteção para adolescentes ameaçados, o Juizado da Infância e da Juventude acaba encaminhando os meninos para abrigos, unidades que não foram criadas com esta finalidade e não têm estrutura e segurança adequadas para proteger os jovens e suas famílias.

E-MAIS
>No dia do crime, a mãe da adolescente que foi assassinada
grávida de seis meses havia saído para o supermercado para comprar as coisas que faltavam para a festa surpresa. A filha havia ficado em casa, sozinha.
> Uma amiga teria chegado na casa, dizendo que o ex-namorado estava chamando a adolescente e que teria uma surpresa para ela. Quando seguia ao encontro do ex-namorado, a adolescente foi baleada. A mãe recebeu a notícia por telefone.
> A mãe conta que tem outros dois filhos e duas filhas que moram no Interior. Eles querem vir a Fortaleza, mas a mãe tem medo.
>“Eu tô recusando. Tenho medo deles fazerem alguma coisa com ele (com o assassino). Se põe no meu lugar. Se acontecer alguma coisa dessas com alguém da sua família, o que você acha (que faria)? Nós somos seres humanos”, disse, temendo que os filhos tentem algum tipo de vingança.> O desejo da mãe é que seja feita justiça. “Não quero que a morte da minha filha fique impune. Eu quero justiça”, reclama a diarista, que não se conforma em ver o culpado impune passeando pelas ruas do bairro e, talvez, fazendo outras vítimas, como correm boatos. 

CONTRIBUIÇÃO; IZAIRA CABRAL COSELHEIRA TUTELAR DE FORTALEZA (CT 1). 

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